quinta-feira, outubro 04, 2007

Lembranças de “Tristes Trópicos”
(Paulo Sérgio R. da Silva Jr., sociólogo)

Apesar de publicar depois de tanto tempo minhas impressões da leitura de “Tristes Trópicos”, elas ainda perfilam a lembrança dessa obra eminentemente contemporânea. O comentário que segue alude à visão de Claude Lévis-Strauss acerca de um mundo cuja face não nos é mais permitida conhecer diretamente mas que, pela incursão etnográfica de um cientista europeu iniciando carreira, aparece-nos como um retrato crível da construção da modernidade brasileira.

A viagem feita de navio por Lévis-Strauss, odiável pelos contratempos oferecidos, permite-lhe constatar um mundo onde as distâncias físicas e políticas entre os países se tornavam cada vez menores. Não que isso signifique um progresso realizável simetricamente, pois, passo a passo, residia a perplexidade de uma miséria lastreada por um progresso tão mais universalizável quanto a difusão das benfeitorias tecnológicas da civilização. Na sua narrativa, duas impressões acerca do Brasil e da América do Sul são dignas de nota: se o primeiro lhe parecia ingenuamente oposto à representação extraída de referências etnocêntricas, na América do Sul, a imagem consagrada de “paraíso” não condizia com a condição de continente submetido a intervenções externas viabilizada pela estrutura de poder sob hegemonia de elites locais, em via oposta ao seu desenvolvimento autônomo. Para Lévis-Strauss a “terra de oportunidades” assim o era apenas para grupos privilegiados que devido a sua envergadura econômica poderiam capitalizar os recursos ainda não explorados sem deixar nada em seu lugar. Olhando para o contexto de origem e deparando-se com o inesperado a cada instante, sua atenção desloca-se sem desembaraço da percepção política à mudança de hábitos conforme vai emergindo na atmosfera nova. O calor dos trópicos, os sabores e olores diversos parecem ampliar seu horizonte cultural e sensorial ao acrescer códigos de conduta até então inéditos. A mudança de status econômico também lhe chamara atenção; se na França era pobre, aqui experimentara ser “cidadão de alta classe”.

A visão de outros europeus próximos dos índios estudados por Levis-Strauss são exemplos de como os intérpretes autorizados do velho mundo concebem a humanidade desses homens e mulheres. Sobre os índios do Tabaji, a impressão de índios assimilados pela cultura do homem “branco” seria, como citado, um exemplo da indisposição em relativizar sua própria cultura e de quanto esta, uma vez naturalizada, definiria uma suposta mentalidade indígena. Não desprezando certa propensão à entrada de valores exógenos na cultura indígena, Lévis-Strauss preocupa-se em identificar as resistências culturais à aculturação na qual faz distinguir os povos autóctones em sua fisionomia própria. Esse exercício será uma constante em seu trabalho de observação junto às outras tribos que participou durante sua expedição pelo interior em muito desconhecido do país.

As experiências com os índios revelaram modos de vida em verdadeira antítese com o padrão dominante de relação dos homens com a natureza e com os outros homens. Mas, para a angústia de Lévis-Strauss, essa sorte de transitar em sociedades humanas numa ambiência cultural que seguia seus próprios ritmos seria logo um espaço e um tempo que jazem solitariamente na lembrança de um antropólogo experiente. Não só o processo de aculturação mas também a resistência dos índios ao processo civilizatório e sua dizimação física e espiritual, tendo como caso trágico os Nambiquara, figuram uma viagem catártica de um cientista solidário à condição humana.

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